ANALISANDO A CEIA DE PAULO
Por
Mário Marcos[1]
INTRODUÇÃO
Contexto histórico. A comunidade de Corinto: Paulo passou pelo menos dezoito meses em Corinto para aí anunciar o evangelho (At-18:1-8), de 50 a 52. Segundo alguns cálculos, sempre discutíveis, Corinto contava na época mais de meio milhão de habitantes, dois terços dos quais eram escravos. Destruída em 146 a.C. Reconstruída cem anos mais tarde em 44 por Júlio César, era uma cidade nova que devia sua prosperidade extraordinária à situação geográfica e aos dois portos: Cencréia, no mar Egeu (golfo Sarônico), o outro, Lequéia, no Adriático (golfo de Corinto).
Ela possuía as características que distinguem em todas as épocas a vida dos grandes portos: população muito heterogênea (desigual, irregular) na qual todas as raças, todas as religiões convivem lado a lado; vida fácil de uns e pobreza de outros; multidão de escravos na labuta. Mas essa cidade cosmopolitana (um conjunto bem ordenado, um todo) era também um centro intelectual onde todas as correntes de idéias estavam representadas. No século II, um retórico podia felicitar Corinto pelo número de suas escolas, dos seus filósofos e dos seus letrados, com que se podia topar em cada esquina. Era igualmente um centro religioso onde os cultos do oriente exerciam indiscutível sedução, encontravam-se ali o santuário de Ísis, Serápis e Cibele, ao lado de templos consagrados a Júpiter e às divindades tradicionais. Quanto ao relaxamento dos costumes em Corinto, sem dúvida não era pior que o de todas as grandes cidades do mundo greco-romano.
Por sua composição, a comunidade cristã reunida pela pregação de Paulo era o reflexo fiel da cidade. Havias ricos e havia pobres (11:21-22), mas os primeiros eram uma fraca minoria (1:26); o conjunto era composto de gente simples, de escravos (7:21), em resumo, de gente desprezada (1:28).
Esses cristãos formavam uma comunidade animada e fervorosa, mas que ficava muito exposta aos perigos da corrupção da vida ambiente: moral sexual dissoluta (6:12-20), pendências, disputas e lutas (1:11-12; 6:1-11), sedução da sabedoria filosófica e origem pagã, que se introduzia na igreja revestida de um verniz cristão superficial (1:19-2:10), e que pervertia as certezas fundamentais da nova fé (1Co-15); atração também dos cultos secretos e das correntes de pensamento que se difundiriam no século II sob o nome genérico de “gnosticismo”, cujas manifestações desordenadas ameaçavam reproduzir-se na assembléias cristãs (12:1-2 e 14:26-38). A planta cristã era sadia e vigorosa, mas suas raízes mergulhavam em uma terra que não lhe era homogêneas. Situação anormal à qual o Espírito acudiu distribuindo com abundância os seus dons excepcionais (12-14) e que Paulo, em suas cartas, procurava modificar, fornecendo ao novo rebento o húmus cristão que lhe faltava.
Daí provém o interesse desta carta. Ela nos mostra, quase como ao vivo, os problemas suscitados pela inserção da fé cristã numa cultura pagã e os meios empregados por Paulo para resolver esses problemas.
Contexto literário. Circunstâncias que motivaram a carta: Façamos um breve apanhado da seqüência dos acontecimentos que medeiam entre a primeira pregação de Paulo em Corinto e o envio desta epístola aos Coríntios. Depois de sua partida, Paulo manteve o contato com a comunidade por ele formada. Sabemos por (5:9-13) que 1 aos Coríntios fora precedida por outra carta (chamada muitas vezes de carta pré-canônica), que não nos foi conservada; nela, Paulo tratava, entre outra coisas, das relações dos cristãos com os “devassos”. Esta carta, da qual certos estudiosos acreditaram reconhecer um fragmento em (2Co-6:14-7:1), provavelmente seguia-se a um bilhete dirigido pelos coríntios, fazendo uma pergunta a qual Paulo respondera. Por outra parte, sabemos, graças ao relato dos Atos (At-18:24-28), que a comunidade de Corinto aconselhara um pregador cristão de valor na pessoa de Apolo, judeu de Alexandria, que aderira à nova fé e em Éfeso fora definitivamente convertido ao Cristo por Àquila e Priscila, e por eles munido de cartas de recomendação quando partiu para Corinto. Os Atos especificam que Apolo era eloqüente, versado nas escrituras, e que, em Corinto, foi de grande ajuda para a comunidade, particularmente nas controvérsias com os judeus. Provavelmente era muito mais brilhante do que Paulo, ao qual censuravam a falta de eloqüência (2Co-10:10). Concebe-se, portanto que se aja formado um partido, elegendo Apolo por mestre e erigindo-se em rival do grupo dos fiéis em que se diziam discípulos de Paulo (1:12).
Texto (1Co-11:17-34)
17Fazendo-vos essas advertências, não vos posso louvar a respeito de vossas assembléias que causam mais prejuízo que proveito.
18Em primeiro lugar, ouço dizer que, quando se reúne a vossa assembléia, há desarmonias entre vós. {E em parte eu acredito.
19É necessário que entre vós haja partidos para que possam manifestar-se os que são realmente virtuosos.}
20Desse modo, quando vos reunis, já não é para comer a ceia do Senhor,
21porquanto, mal vos pondes à mesa, cada um se apressa a tomar sua própria refeição; e enquanto uns têm fome, outros se fartam.
22Porventura não tendes casa onde comer e beber? Ou menosprezais a Igreja de Deus, e quereis envergonhar aqueles que nada têm? Que vos direi? Devo louvar-vos? Não! Nisto não vos louvo...
23Eu recebi do Senhor o que vos transmiti: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão
24e, depois de ter dado graças, partiu-o e disse: Isto é o meu corpo, que é entregue por vós; fazei isto em memória de mim.
25Do mesmo modo, depois de haver ceado, tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é a Nova Aliança no meu sangue; todas as vezes que o beberdes, fazei-o em memória de mim.
26Assim, todas as vezes que comeis desse pão e bebeis desse cálice lembrais a morte do Senhor, até que venha.
27Portanto, todo aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor indignamente será culpável do corpo e do sangue do Senhor.
28Que cada um se examine a si mesmo, e assim coma desse pão e beba desse cálice.
29Aquele que o come e o bebe sem distinguir o corpo do Senhor, come e bebe a sua própria condenação.
30Esta é a razão por que entre vós há muitos adoentados e fracos, e muitos mortos.
31Se nos examinássemos a nós mesmos, não seríamos julgados.
32Mas, sendo julgados pelo Senhor, ele nos castiga para não sermos condenados com o mundo.
33Portanto, irmãos meus, quando vos reunis para a ceia, esperai uns pelos outros.
34Se alguém tem fome, coma em casa. Assim vossas reuniões não vos atrairão a condenação. As demais coisas eu determinarei quando for ter convosco.[2]
As desordens durante a celebração da Ceia do Senhor:
Aquilo que na igreja que se tornou culto, missa, ou a celebração eucarística (grego eukharistía, agradecimento, gratidão, ação de graças), no tempo de Paulo chamava-se Ceia do Senhor. Era realizada em casas particulares, visto que não existia ainda igreja-templo. Não se limitava a uma celebração ritual; o rito era integrado numa verdadeira refeição ao longo da qual o presidente da mesa abençoava o pão e o cálice, como o próprio Jesus fizera durante a ceia, na noite da quinta-feira santa. Contudo, em Corinto aparentemente as coisas não aconteciam como deveriam acontecer. Assim, escreve Paulo na primeira epístola aos coríntios: (ler v.17-21).
Precipitação, egoísmo, voracidade, embriaguez... O que está então acontecendo? Como é possível haver tanta desordem numa comunidade recentemente conquistada para o evangelho? Neste campo, a documentação fornecida pela arqueologia é bastante iluminante. Ela permite conhecer melhor as condições materiais nas quais viviam as comunidades cristãs, deixando perceber que a simples organização material favorecia tais desvios: existem divisões, e ninguém espera o outro para refeição.
Efetivamente, uma vez que as igrejas-templo não existiam ainda, as reuniões realizavam-se nas casas particulares pertencentes aos cristãos mais ricos, aqueles que possuíam habitações suficientemente grandes para acomodar algumas dezenas de pessoas. No entanto, o número de cristãos da cidade não se reduzia a algumas dezenas de pessoas; após três ou quatro anos, desde o início da evangelização, eles deviam contar pelo menos algumas centenas. Em outras palavras, falar de “a comunidade” de Corinto é uma concepção teórica, que não leva em conta a realidade; o singular não cabe aqui. É preciso falar de “as comunidades”, pois havia muitas: uma que se reunia na casa de fulano, outra que se reunia na casa de beltrano e assim por diante. No total, sem dúvida, uma dezena de lugares diferentes, situados em diversos bairros da cidade, o que não favorecia a unidade!
Mas isso não é tudo. Reunir algumas dezenas de pessoas na própria casa significava não poder juntar todas no mesmo cômodo. Corinto, destruída pelos romanos em 146 a.C., fora reconstruída cem anos depois, em 44, graças a um edito de reconciliação concedido por Júlio César. As casas dos ilustres eram construídas à moda romana. As acomodações davam para um pátio central, parcialmente coberto, o atruim, do qual, uma parte do espaço era ocupada por um recipiente destinado a colher águas das chuvas. Apertando-se, umas quarenta pessoas podiam acomodar-se ali, sentadas sobre esteiras. Mas havia também uma sala de jantar, o triclinium, com oito ou nove banquetas sobre as quais se comia reclinado, à moda romana. O que acontecia pois nas reuniões comunitárias? Os costumes sociais dos coríntios não desapareceram do dia para noite pelo fato de se terem se convertido ao cristianismo. O proprietário da casa continuava a receber seus amigos cristãos na sala de jantar (triclinium), ao passo que os demais, menos afortunados, se amontoavam no atrium. A comida que ele oferecia era certamente melhor e mais abundante do que as provisões trazidas pelas pessoas de condições mais modestas. Ademais, dado que seus amigos eram funcionários ou grandes comerciantes, eles podiam chegar mais cedo, desde as três horas da tarde, hora costumeira para alguém convidado a um banquete. No atrium, ao contrário, os trabalhadores ou escravos chegavam somente quando haviam terminado o trabalho, ou seja, bem mais tarde.
Agora se compreende bem melhor a descrição que Paulo faz da situação: existem divisões no grupo que se reúne na casa de fulano, não se espera o outro para a refeição, um passa fome enquanto o outro come e se embriaga. Que vai fazer o apóstolo para tentar endireitar a situação? Essencialmente, recordar a tradição da refeição do Senhor, ou seja, o relato da instituição da eucaristia tal qual era transmitido na igreja de Antioquia da Síria, aí mesmo onde ele havia aprendido. Isto nos rendeu um dos quatro relatos da instituição eucarística do Novo Testamento: (ler 1Co-11:23-25).
E ele acrescenta seus próprios comentários que começam com: “Todas as vezes, pois, que comeis desse pão e bebeis desse cálice, anunciais a morte do Senhor até que ele venha” (1Co-11:26).
Agindo assim, o que ele relembra a estas pessoas que vivem a Ceia do Senhor de modo anárquico, a estes que se deixam influenciar pelos costumes sociais com seus excessos e desequilíbrio? Substancialmente ele lhes explica: o que vocês celebram é coisa séria. Tem a ver com a morte, a morte do Senhor. Essa celebração faz-nos mergulhar no mistério pascal, ou seja, não é possível atingir a verdadeira vida senão mediante a morte. O corpo do Senhor, o pão eucarístico, é também o corpo que vocês formam, o corpo eclesial. Ora trata-se de um corpo crucificado, um corpo doado para os outros, por todos os outros. Não é questão de um simples corpo social que deveria ser preservado. Conseqüentemente, o modo como vocês celebram a Ceia do Senhor é indigno daquilo que vocês celebram. Vocês acham-se em completa incoerência entre suas práticas e suas convicções.
Quais as lições, pois, que os coríntios deveriam tirar de tudo isso? E que lições podem aprender os cristãos de todos os tempos? Que não pode haver eucaristia sem partilha. Quando vocês estiverem em suas próprias casas, diz Paulo, façam como quiserem. Mas quando se reunirem para a Ceia do Senhor, “espere uns pelos outros” (1co-11:33). Não se lancem sobre a comida, não escolham os melhores pedaços.
Podemos igualmente aprender que a vida cristã questiona certo número de reflexos sociais que se nos tornam praticamente naturais. Que há de mais natural do que levar os amigos para a sala de jantar, de comer e beber com eles, enquanto se espera que cheguem os demais? No entanto, Paulo não considera que isto seja digno de uma comunidade-igreja que é o corpo de Cristo. Num corpo, todos os membros são solidários; quando um membro sofre, sofrem todos os outros; isto é de tal importância que o apóstolo consagra quase todo o capítulo seguinte a este novo tema (1c0-12).
Está claro que suas palavras questionam as comunidades cristãs, não importa de que época, sobre o modo como vivem as relações fraternais e sobre a maneira segundo a qual celebram os sacramentos. Apóstolo e pai dos coríntios, Paulo não pode tolerar a mediocridade daqueles que ele gerou para a fé. A reprimenda que ele lhes dirige ilustra sua solicitude pastoral. Em toda comunidade eclesial, é preciso que haja ministros que ajam em nome de Cristo, a fim de recordar aos fiéis as verdades essenciais e convidá-los a viver de maneira cada vez mais conforme ao Evangelho.
Paulo o apóstolo da Kenosis (esvaziamento): (fl-2:1-8)
1Se por estarmos em Cristo, nós temos alguma motivação, alguma exortação de amor, alguma comunhão no Espírito, alguma profunda afeição e compaixão,
2completem a minha alegria, tendo o mesmo modo de pensar, o mesmo amor, um só espírito e uma só atitude.
3Nada façam por ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente considerem os outros superiores a si mesmos.
4Cada um cuide, não somente dos seus interesses, mas também dos interesses dos outros.
5Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus,
6que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se;
7mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens.
8E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até à morte, e morte de cruz![3]
A teologia da kénosis:
O Hino Cristológico de Fl-2:6-11 é chamado de Hino da Kénosis, de kenós, termo grego que significa “vazio”. Esse título, com o qual o poema ficou conhecido na história da teologia, foi derivado do verbo grego kenóo encontrado em Fl-2:7 e que significa “privar-se de poder” ou “abdicar do que possui”. Esse termo caracteriza toda a vida de Jesus, o Filho de Deus como alguém que não se apegou à sua condição divina e ao entrar nas esferas da história e da criação, assumiu as limitações desses âmbitos, até as últimas conseqüências, inclusive ficando à mercê do egoísmo e violência humana, que o levaram à morte terrível na cruz. A maioria dos estudiosos está de acordo que o Hino da Kénosis não é de autoria paulina, mas fazia partia da Liturgia Eucarística. Isso significa que uma das teologias mais profundas do Novo Testamento teve sua fonte num hino litúrgico para celebrar o mistério pascal. E, como o mesmo hino foi usado por Paulo como expressão de uma reta compreensão de Deus em seu mistério, isso manifesta que o mesmo poema retrata uma profunda experiência mística do Apóstolo. Finalmente, ao usar o hino como exortação aos filipenses significa que Paulo faz da teologia da kénosis o fundamento da práxis cristã configurada à práxis de Cristo.
Depois de analisarmos todo o contexto a “santa ceia” fica sem sentido. Se Cristo se esvaziou ao ponto de quebrar-se para mostrar o amor de Deus e como vivermos em comunhão com Ele e nosso próximo e todas as vezes que fizéssemos isso anunciaríamos sua morte até que Ele venha fica a pergunta: por que nos reunimos para a ceia e fazemos acepção de pessoas e só anunciamos para quem já conhece Cristo? Excluindo quem mais precisa Dele, ou Ele não disse “não necessitam de médicos os sãos, mas, si, os doentes. Mt-9:12” e o pior excluímos alguns de nosso próprio meio por não estarem enquadrados na doutrina da igreja. Foi isso que Paulo fez em Corinto? Seria isto que Cristo faria hoje?
Quando se lê 1Co-11:27-29
27Portanto, todo aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor indignamente será culpável do corpo e do sangue do Senhor.
28Que cada um se examine a si mesmo, e assim coma desse pão e beba desse cálice.
29Aquele que o come e o bebe sem distinguir o corpo do Senhor, come e bebe a sua própria condenação.
Paulo não está falando aqui de pecado, pois o examinar-se é pelo fato dos irmãos estarem comendo e deixando os outros com fome, examinem-se e veja se isso é correto? Pois Cristo morreu por todos e não por um grupo, se isso é lícito para vós estão comendo e bebendo para vossa própria condenação não discernindo o sacrifício de Cristo. Paulo está usando a ceia de Cristo para sarar a fome em corinto “que não era pequena” e para isso abre mão de paradigmas e aproveita a ocasião para apresentar Cristo. A ceia era só um pretexto, o que Paulo realmente deseja é apresentar Jesus o Messias, o que importava na verdade era mostrar o amor de Deus no partir do pão.
A ceia é para os doentes, ou seja, pecadores que não conhecem a Cristo e nós temos que anunciá-lo para estes doentes espirituais.
Paulo usando a Kenosis: (1Co-9:19-22); (At-17:15-34)
Analise estes textos e veja o que Paulo faz para apresentar a salvação em Cristo e veja se a ceia é tão “SANTA” assim.
[1] Mario Marcos Andrade da Silva, Bacharel em Teologia pelo (ICEC), Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos. M. 10.1.509. Além de especialista em escatologia, angelologia e aconselhamento pastoral pelo IDE Missões.
[2] Texto da TEB (tradução ecumênica da Bíblia)
[3] Texto da NVI (nova Versão Internacional)
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