sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Exegese de Isaías 3,16-4,1 – Mulheres no luxo e pobres no lixo


Introdução
            Utilizando o método histórico-crítico: tradução do texto, forma, delimitação, data, lugar e por fim assunto de conteúdo. Nesse trabalho, procuramos realizar um estudo exegético tendo por objeto de estudo o texto de Is 3,16-4,1. Por fim, oferecemos uma atualização do texto com uma mensagem para os dias atuais.

1.                   Texto[1]
16 O SENHOR disse:
Já que as filhas de Sião são orgulhosas,
e andam de pescoço esticado
distribuindo olhadelas,
caminhando a passos saltitantes
fazendo tilintar os guizos dos seus pés,
            17 o Senhor cobrirá de sarna o crânio
            das filhas de Sião,
            o SENHOR lhes descobrirá o sexo.
            18 Nesse dia, o Senhor as despojará dos seus adornos:
            guizos, sóis, luas,
19 pingentes, braceletes, véus
            20 turbantes, pulseiras,
correntinhas, talismãs, amuletos,
            21 anéis, argolas de nariz,
            22 vestidos de festa, cachecóis, xales, bolsas de mão,
23 espelhos, camisas de linho, faixas,
Mantilhas.
            24 Em vez de perfume, podridão,
de cinto, uma corda,
de tranças caprichadas, cabeça
raspada,
de roupa fina, tanga de saco,
uma marca infamante em vez de beleza.
25 Teus varões cairão sob a espada,
tua elite, no combate.
25 As tuas portas gemerão e se
lamentarão;
            despojada, estarás sentada no chão.
1 Nesse dia, sete mulheres se atracarão a um só homem, dizendo-lhe:
“Proveremos à nossa comida,
proveremos ao nosso vestir,
desde que possamos usar o teu nome:
tira a nossa desonra!”

1.                  Forma
            Descrição do orgulho das filhas de Sião..........................................v.16
            O juízo às filhas de Sião: Vergonha e despojamento das jóias..........v.17-24
            O juízo às filhas de Sião: Viuvez....................................................v.25,26 e 4,1.
           
2.                  Delimitação
Esta perícope é uma das subunidades dentro de um panfleto (2,1-4,1), provavelmente “um dos ‘livros’ que constituem a memória profética isaiana.”[2], onde temos a “palavra de Javé” (v.16) especificamente para, aqui chamadas, as filhas de Sião.

3.                  Data
Este texto situa-se em primeiro Isaias, portanto é pré-exilíco, após a queda do reino do norte e antes da invasão do reino do sul. Esse panfleto situa-se em torno de 740 a.C.[3]

4.                  Lugar
As subunidades do panfleto 2,1-4,1 são contra Judá e Israel. É provável que tenham sido produzidas para uma comunidade camponesa fora da cidade, pois denuncia o poder que se encontra nas áreas urbanas e, portanto, as vítimas da ingerência social aqui apresentada são os pobres e explorados do campo.

5.                  Assuntos de conteúdo
            No v.16 o texto é introduzido com a palavra de Javé, pois “O SENHOR disse”. É descrito por essa palavra o tom de orgulho a altivez com que algumas mulheres em Sião se comportavam, as expressões como “orgulhosas”, “pescoço esticado”, “distribuindo olhadelas”, “passos saltitantes” e “fazendo tilintar os guizos” falam de atitudes de desdém, de soberba, de insulto contra os pobres dado ao luxo com que essas mulheres viviam, certamente a custa de exploração.
            O v.17 traz o juízo da desonra a essas mulheres, pois teriam suas cabeças cobertas de sarna e estariam com suas partes íntimas a mostra. Ou seja, seriam despojadas de todo o seu luxo e orgulho para serem humilhadas. Certamente, ao que o contexto maior do panfleto nos indica, uma alusão a como os pobres já viviam para que essas mulheres andassem no luxo: despojados de sua honra, “nus” no sentido de estarem “despidos” daquilo que é essencial para a vida: a comida, a moradia, etc. São descritos em detalhe todas as jóias e adornos que essas mulheres possuíam (v.18-23). O v.24 traz o recurso da antítese, pois o juízo prometido era de que ao invés do perfume, do cinto, das tranças caprichadas, da roupa fina e da beleza, essas mulheres receberiam a podridão, uma simples corda, a cabeça raspada, a tanga de saco e uma marca infame. Ou seja, o despojamento dos bens materiais adquiridos certamente pela exploração que seus maridos fizeram contra os mais pobres, e a vergonha.
            A vergonha porque conforme nos indicam os v.25,26 e 4,1, seus maridos seriam mortos ao fio da espada e elas estariam viúvas. Como para uma mulher naquela época e lugar era uma vergonha a viuvez, essas mulheres certamente não teriam mais os luxuosos adornos e mendigariam a comida e a vestimenta. O texto ilustra como os pobres já viviam por causa da exploração: sem honra, sem comida e sem vestido. O autor procurou demonstrar que Javé com o seu juízo viraria esse jogo de cabeça para baixo.
           
                       
6.                  Atualização
            Esse texto é muito interessante para ilustrar os acontecimentos dentro da política brasileira ou mesmo da América Latina ou de todos os países que são explorados. Para que os países desenvolvidos sejam ricos fazendo “tilintar os seus guizos”, isto é, os seus milhões, a sua riqueza e o seu alto desenvolvimento, lugares como a África, e outras tantas terras pobres que foram e têm sido exploradas, ficam a mercê da pobreza. Seus recursos naturais são retirados para que o capitalismo produza bens que vão “enfeitar” as mulheres ricas, porque as viúvas pobres dos países explorados continuam usando “cordas” para amarrarem seus panos de saco, que são suas únicas roupas. Esse texto nos mostra que é preciso desestabilizar essa estrutura exploradora, virar o jogo de cabeça para baixo.

Bibliografia

________.Bíblia Tradução Ecumênica. São Paulo: Loyola, 1994.

SCHWANTES, Milton. Da vocação à provocação: Estudos exegéticos em Isaías 1-12. São Paulo:  Oikos, 2011.


[1] Tradução Ecumênica da Bíblia. Loyola, São Paulo: 1994.
[2] SCHWANTES, M. Da vocação à provocação. São Paulo: Oikos, 2011, p.91.
[3] SCHWANTES, M. Op. citada. p.17



Provocações a respeito de sexo antes do casamento: O que Deus inventou?



1.      O discurso da cristandade a respeito de sexo antes do casamento
Falar a respeito de “sexo antes do casamento” no Ocidente, tornou-se nas últimas décadas um tema um tanto irrelevante em se tratando de ambientes fora das igrejas cristãs. Existe muito pouquíssima gente preocupada com virgindade fora desses contextos.
Na prática demonstra que o assunto, até mesmo dentro da igreja, também já vem se tornando irrelevante.
Pesquisas americanas mostraram como tem sido o comportamento do evangélico na área sexual. De modo algum diferente do não evangélico. Ronaldo Sider menciona um estudo publicado por pesquisadores das universidades de Colúmbia e Yale baseado em programa patrocinado pela Convenção Batista do Sul denominado “True Love Waits” (O Verdadeiro Amor Espera).
“Desde 1993, aproximadamente 2,4 milhões de jovens assinaram um compromisso de esperar até o casamento para terem relações sexuais. (...) Durante sete anos eles estudaram 12 mil adolescentes que assinaram o compromisso. (...) 88% deles afirmaram ter relacionamento sexual antes do casamento; apenas 12% cumpriram sua promessa. Os pesquisadores constataram também que as taxas de doenças sexualmente transmissíveis ‘foram quase idênticas entre os adolescentes que fizeram o compromisso e os que não fizeram’.” (SIDER: 2005, p.23)
 Exceto no discurso, não parecer haver diferença. Exceto no discurso das igrejas católicas e/ou fundamentalistas, o tema parece ser irrelevante aos demais da sociedade.
Porém nos discursos, pentecostais e católicos ainda recheiam suas mensagens e doutrinas com a preocupação sobre pureza sexual, como sempre foi observável desde sempre na história do cristianismo. Regina Navarro Lins menciona que na história do cristianismo:
“Notáveis pensadores cristãos como Tertuliano, Jerônimo, Agostinho, juntamente com São Paulo, deixaram as  mais duradouras impressões em todas as idéias cristãs subsequentes sobre o sexo. Eles eram homens que haviam levado ativa vida sexual antes de se converterem ao celibato, e que reagiram depois com total repulsa ao sexo.” (LINS: 2005, p.64)
            LINS menciona ainda que sobre o sexo “Arnóbio o chamou de sujo e degradante. Metódio, de indecoroso; Jerônimo, de imundo; Tertuliano, de vergonhoso” (LINS: 2005, p.64), demonstrando assim que a igreja desenvolveu “horror aos prazeres do corpo”, à sexualidade.
Bruna Suruagy do Amaral Dantas – mestre e doutoranda em Psicologia Política pela PUC-SP, em sua tese “A Dupla linguagem do desejo na Igreja Evangélica Bola de Neve” disserta sobre a discrepância entre o desejo latente despertado pela maneira de ser de se vestir dos jovens fiéis  e o incentivo do cuidado com corpo em contra partida com o discurso ascético da Bola de Neve. Dantas ilustra como, apesar de uma proibição, paradoxalmente o desejo é incentivado:

Os fiéis que dela fazem parte possuem visual despojado, usam tatuagens e piercings, vestem roupas descontraídas que valorizam os contornos do corpo, aderema acessórios da moda, pertencem a diferentes “tribos” e apresentam os mais diversificados perfis estéticos. As meninas vestem calças justas, miniblusas e saias curtas, exibindo corpos bonitos e bronzeados. Alguns rapazes são musculosos e possuem corpos atléticos. Muitos usam roupas despojadas, bermudas folgadas, camisetas, bonés e chinelos. “Eles praticam esportes radicais e participam de torneios esportivos promovidos pela própria igreja. A maioria dos eventos de evangelização – luau efestivais musicais –, assim como os campeonatos esportivos organizados pela Igreja Bola de Neve, ocorrem na praia, o que contribui para reforçar a imagem e a identidade do empreendimento.” (DANTAS: 2010, p.56)

Observa-se na membresia dessa denominação, uma maioria de jovens que cuida muito bem do corpo e da estética, pois há forte incentivo para a prática de esportes e cuidados estéticos.

Portanto, até aqui, temos subsídios para demonstrar que o tema do sexo antes do casamento se apresenta muito mais como uma questão de discurso do que de prática entre as comunidades que propõe a espera para a prática dentro do casamento.

2.      Algumas definições sobre casamento

No Brasil, do ponto de vista jurídico, considera-se casamento a união de duas pessoas: homem e mulher, pois em nosso Código Civil, conforme o Artigo 1514, só se menciona o casal heterossexual. Há o registro civil e às vezes religioso também (artigos 1514 e 1515 do Código Civil.
A união estável já é equiparada a entidade familiar no que tange aos direitos patrimoniais, entretanto ainda há a distinção na legislação da “União Estável” para “Casamento” no Código Civil (Artigo 1723). Só se considera casamento mesmo quem registrou no cartório. Devemos lembrar que a legislação brasileira se estrutura e nasce a partir do Direito Canônico da Igreja Católica.
O casamento civil só surge no Brasil em 1890, pois até então havia apenas o religioso (LUZ: 2009, p.13).
Lembremos que a preocupação do Direito, no que tange ao casamento é a proteção ao patrimônio.
Do ponto de vista do senso comum, as definições são as mais variadas possíveis conforme a formação do sujeito, comunidade em que vive, etc. Existem os que consideram “casadas” apenas as pessoas que fizerem seu registro civil, existem os que entendem que “morar junto” é estar casado e, talvez mais entre os artistas, aqueles que são casados mas os cônjuges moram cada um em sua própria casa. Entretanto, parece prevalecer no imaginário coletivo a idéia de que casamento só é válido mesmo, quando “no papel”, apesar do número de “uniões estáveis” ou “amaziados” ser notável em nosso país.
Com tanta forma de ver o casamento, é difícil definir o que é “certo” ou “errado” nessa área. Existem sociedades polígamas e monogâmicas, umas poucas que admitem a poliandria, o casamento gay, etc.
Do ponto de vista religioso, no Brasil, temos a posição da Igreja Católica que reconhece apenas o casamento genuíno somente hetero, civil e religioso celebrado nas suas paróquias. Há ainda a posição dos evangélicos que reconhecem, em sua maioria, o casamento genuíno sendo hetero e civil, nem sempre exigindo a celebração religiosa. Quanto as religiões afro-brasileiras há reconhecimento das uniões homo e hetero afetivas.

  1. Problematizando o significado de casamento
Para podermos entender a questão do sexo antes do casamento, entendo que faz-se necessário alguns questionamentos sobre o que é, de fato, casamento. Sugiro algumas perguntas:
Quem define se alguém está casado: Estado, Igreja, família, sociedade ou o casal?
Num primeiro momento temos a invenção do casamento religioso pela igreja católica e num segundo momento temos a invenção do casamento civil. Sendo instituições que definem o que é o casamento, o que o sexo antes ou depois, que é assunto da vida privada do casal, tem a ver com essas instituições?
O casamento seria simplesmente a união de duas (ou quem sabe mais de duas) pessoas ou seria um contrato de submissão de uma pessoa à outra? Sendo um contrato que submete às pessoas, não seria ele também uma forma de controle e consequentemente de opressão, já que não estão livres para se relacionar sexualmente com outras pessoas se assim o desejarem? Se o amor só pode ser expressado por meio da liberdade, como poderia o casamento, um contrato que obriga as partes a estarem presas uma à outra, pode expressar essa liberdade?
 Sendo o casamento autenticado por uma instituição, porque o sexo que é natural e biológico tem de ser regulado pelo casamento que é invenção humana? Ou o casamento é uma invenção de Deus?
            O que nos faria pensar que o casamento é uma invenção de Deus? Não seria apenas o sexo a invenção de Deus? E nesse caso não teria de ser desfrutado plenamente independente do casamento?
De onde vem o casamento? Regina Navarro Lins, baseada em estudos antropológicos e arqueológicos  diz que durante muito tempo não havia a consciência de que o homem tinha participação na reprodução humana. Essa consciência veio com a domesticação de animais,  quando percebe que o carneiro sozinho pode  emprenhar mais de 50 ovelhas!. Esse poder do macho seduz o homem que passa a saber que tem participação na reprodução feminina (LINS: 2005, p.27). Para assegurar seu poder nasce a idéia de casal, desconhecida até então porque todos viviam juntos de maneira comunitária. A idéia de casal nasce então a partir do fascínio pelo poder. O homem agora reconhece que é “pai” e para garantir a herança do filho, é necessário garantir a fidelidade da mulher. Com os clãs precisando ser cada vez mais fortalecidos, o sexo agora passa a ser instrumento para mera procriação.  A mulher que procria é valorizada. A que não procria não é valorizada. (LINS: 2005, p.31).
Justificar o amor como motivo para o casamento nem sempre foi o fator definitivo. Lins mostra como na verdade durante muito tempo o casamento não era o espaço para o amor, ao contrário os cônjuges não deveriam se amar, mas se respeitar. E o sexo era apenas para procriação (LINS: 2005, p.172).
           
4.      Quem são os antagonistas do sexo antes do casamento?

Os atuais antagonistas mais ferrenhos do sexo antes do casamento atualmente são: a Igreja Católica, que diz ser o melhor método contra a AIDS e as DST’s, as igrejas evangélicas que fazem leituras literalistas da Bíblia e os islâmicos.
Para podermos elaborar uma tese a respeito desse tema, é necessário entender de onde surgem as proibições.
Em sua obra sobre a “História da Sexualidade” Michel Foulcault fala como a proibição do sexo sempre foi instrumento de domínio da Igreja Católica. Com o concílio de Latrão, foi instituída confissão onde as pessoas confessavam todos os detalhes de suas relações sexuais, deixando assim, de ter uma atitude natural com relação a essa questão. Ou seja, se falou muito a respeito de sexo. A sexualidade é um excelente instrumento de manobra uma vez que todos possuem o instinto e assim se justifica sempre a existência de uma tentação sempre latente. É um meio de manter as pessoas com medo do inferno e portanto pecadoras sujeitas ao inferno, cujo único escape é a confissão e penitência no guarda-chuva protetor da igreja. (FOULCAULT: 1999, p.19-50). Nesse sentido a sexualidade humana torna-se sempre numa relação neurótica, sempre considerada pecado, exceto para a procriação e isso como um “mal necessário” segundo S. Tomas de Aquino.
  1. Análise bíblica e teológica
As menções de Jesus ligadas a questões sexuais normalmente tem ênfase não sobre o pecado da pessoa. Humberto Maiztegui Gonçalves nos dá alguns exemplos em sua abordagem teológico-antropológica da sexualidade na Bíblia (GONÇALVEZ, in CALVANI, 2010, p.11-23):
- Mt. 21,31b: “as meretrizes” (como são taxadas) precedem os fariseus no Reino dos Céus;
- Jo 4, 16-18:  a mulher samaritana tem alguém que não o seu marido atualmente e Jesus diz que ele já teve cinco, entretanto em nenhum momento vemos Jesus mandando ela parar com a vida que tinha;
- Jo 8,3: a mulher “pega” em adultério não é condenada, mas todos os seus acusadores são colocados em pé de igualdade com ela;
Paulo recomenda não casar mas para aqueles que não se agüentam recomenda casar (I Co.7,1-7), mas isso como conselho dada a situação difícil que estavam vivendo. Entretanto há um texto que Paulo reclama não poder levar uma mulher junto com ele durante suas viagens missionárias? Então o texto deixa dúvidas se estão falando de uma proibição de sexo antes do casameto.
Cantares é o livro pornográfico da Bíblia. Não existem evidências de que o casal de Cântico dos Cânticos seja casado, há estudiosos que afirmam solteirice dos casais e que estão  no exercício pleno de sua sexualidade. (VERGARA in CALVANI: 2010, p.135-145). Mesmo na Bíblia evangélica “BÍBLIA ANOTADA” que divide o livro em noivado e casamento, os textos que falam de intimidade sexual estão na divisão do noivado. (RYRIE: 1994, p.842-844).
            A frase “quem ama espera” pretende ser a razão principal evangélica para justificar a proibição do sexo antes do casamento. Baseado normalmente na história de Jacó que trabalhou para Labão por muitos anos. Entretanto no mesmo livro, somos informados que Isaque foi para a tenda assim que a moça chegou e foi direto para a tenda. Ou seja, o modelo de espera não é homogêneo na Bíblia. Aliás, não há nenhum modelo na Bíblia, pois se fala de sexo para procriação, de erotismo e prazer, de prostituição permitida (livro de Oséias), de adultérios perdoados (Davi), de divórcio onde é colocado na boca de Jesus que não pode se for por adultério e Paulo diz que ser o cônjuge for descrente aí é permitido.
Conclusão
            Diante de tanta variedade de modelo social e bíblico com respeito a sexo e casamento e o uso de forma opressora pela sociedade patriarcal e pela religião, não há, em minha opinião, a menor possibilidade de entender sexo antes do casamento como algo eticamente inaceitável, mesmo que do ponto de vista de cristão. Aliás, do ponto de vista de Jesus, que é pela liberdade e não pela opressão, me parece que o modelo mais próximo seria o do exercício livre da sexualidade. O que pautará esse exercício, a meu ver, não são regras humanas e institucionais, mas sim o princípio de alteridade, aquele que busca sempre pelo outro. Aliás, o sexo não seria uma forma natural de alteridade já que o prazer pode ser concedido de um pelo outro?  
Bibliografia
CALVANI, Carlos Eduardo (org.). Bíblia e sexualidade: Abordagem teológica, pastoral e bíblica. São Paulo: Fonte Editorial, 2010.
DANTAS, B. S. do A. A dupla linguagem do desejo na Igreja Evangélica Bola de Neve. Revista Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, 30(1): 53-80, 2010.
FOULCAULT, Michel. História da Sexualidade I: A vontade de saber. Trad. De Maria Tereza da Costa Albuquerque e J.A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro: Graal, 1999.
LINS, Regina Navarro. A cama na varanda: Arejando nossas idéias a respeito de amor e sexo. Rio de Janeiro: Best Seller, 2005.
LUZ, Valdemar P. da. Manual de direito da família. Barueri: Manole, 2009.
PINTO, Antônio Luiz de Toledo, WINDT, Márcia Cristina Vaz dos Santos, CÉSPEDES, Lívia. Vade Mecum, obra coletiva. São Paulo: Saraiva, 2009.
RYRIE, Charles Caldwell. A Bíblia anotada. São Paulo: Mundo Cristão, 1994.
SIDER, Ronaldo. O escândalo do comportamento evangélico: por que os cristãos estão vivendo exatamente como o resto do mundo? Viçosa: Ultimato, 2005.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Exegese de lucas 1


EXEGESE DE ATOS 1,1-3: A CONTINUIDADE DA OBRA E ENSINO DE JESUS
Por
Marcos Andrade[1]
Introdução
            Esse trabalho tem como escopo uma análise exegética do prólogo do livro bíblico dos Atos dos Apóstolos. Nossa análise se resume na perícope delimitada em 1,1-3. Analisamos o contexto literário, a estrutura interna e os aspectos que ligam este livro ao Evangelho sinótico de Lucas. Após algumas considerações sobre o conteúdo deste texto, que basicamente trata do caráter de continuidade da obra lucana, sugerimos algumas conclusões hermenêuticas.
           












1 – Delimitação da Perícope, Introdução ao relato dos Atos dos Apóstolos
“1Eu consagrei meu primeiro livro, ó Teófilo, a tudo o que Jesus fez e ensinou, desde o começo  2até o dia em que , após ter dado, no Espírito Santo, as suas instruções aos apóstolos que escolhera, foi arrebatado. 3É a eles que Jesus se apresentara vivo após a sua Paixão; tiveram mais de uma prova disto, enquanto, durante quarenta dias, ele lhes aparecera e mantivera conversação com eles sobre o Reinado de Deus.” (TEB)[2]
           
Esta perícope introduz o livro comumente chamado Atos dos Apóstolos. Este que não é outro livro, senão a continuação do relato lucano iniciado pelo evangelho sinótico de Lucas, segundo Benito Marconcini “A conclusão quase unânime de recentes estudos é concernente à unidade do evangelho (de Lucas) e dos Atos com base na língua, no estilo e na teologia.” (MARCONCINI: 2001, p. 147). Pablo Richard também diz que “O Evangelho de Lucas e o livro dos Atos dos Apóstolos têm um mesmo autor e constituem uma obra só. É possível que, em sua primeira composição, formassem um só livro.” (RICHARD: 1999, p.4).
            Segundo Daniel Marguerat os dois volumes da obra lucana foram dissociados quando da formação do cânon do segundo testamento, ainda antes do ano 200 d.C. (MARGUERAT: 2OO3, p. 13).
            Esta perícope trata-se de um acréscimo posterior quando desta dissociação. Nesse caso o prólogo encontrado em Lc 1,1-4 refere-se a obra toda de Lucas-Atos. Por isso a análise carece de uma comparação entre os dois textos. Pablo Richard escreve que originalmente o Evangelho de Lucas termina em 24,49 e o relato dos Atos dos Apóstolos se iniciaria em 1,6.
Surgem algumas perguntas: quando e por que esse acréscimo foi colocado?



2. Comparação dos prólogos do Evangelho de Lucas e de Atos dos Apóstolos:


Lc 1,1-4
At 1,1-3
1Visto que muitos empreenderam compor uma narração dos acontecimentos realizados entre nós, 2segundo o que nos transmitiram aqueles que foram desde o começo testemunhas oculares e se tornaram servidores da palavra, 3pareceu me bom, também a mim, depois de me ter cuidadosamente informado de tudo a partir das origens, escrever para ti uma narração ordenada, excelentíssimo Teófilo, 4a fim de que possas verificar a solidez dos ensinamentos que recebeste.
1Eu consagrei meu primeiro livro, ó Teófilo, a tudo o que Jesus fez e ensinou, desde o começo  2até o dia em que , após ter dado, no Espírito Santo, as suas instruções aos apóstolos que escolhera, foi arrebatado. 3É a eles que Jesus se apresentara vivo após a sua Paixão; tiveram mais de uma prova disto, enquanto, durante quarenta dias, ele lhes aparecera e mantivera conversação com eles sobre o Reinado de Deus.

            No prólogo de Lucas não há especificação sobre os ensinos de Jesus, mas o conteúdo do relato é apresentado como uma narração dos acontecimentos que foram realizados entre os que viveram tais situações e também por testemunhas oculares (Lc 1,1-2). Portanto, sendo este prólogo de toda a obra “Lucas-Atos” (CADBURY: 1927, citado por MARGUERAT: 2003, p.53)[3] , os acontecimentos que aqui se referem tanto se aplicam ao do primeiro relato em At 1,1: “tudo o que Jesus começou a fazer e ensinar” (NVI), como ao segundo relato: o que a comunidade de Lucas vivenciou após a ressurreição de Jesus.
              No prólogo do primeiro relato o autor explica como sua narrativa foi documentada através de “testemunhas oculares e servidores da palavra”(Lc 1,1-2), são essas as fontes de Lucas para toda a sua obra. Já o segundo prólogo é uma mera lembrança do conteúdo do anterior, a saber: as obras e ensinos de Jesus. Se considerarmos tratar-se da mesma obra, essas são as fontes também dos Atos dos Apóstolos.
            Ambas as introduções são dedicadas a Teófilo (Lc 1,3 e At 1,1), cujo significado é “amigo de Deus”. Segundo Pablo Richard:
Esse Teófilo pode ter sido uma pessoa concreta (era normal dedicar uma obra a personagens ilustres) ou um nome simbólico para designar seus interlocutores. Teófilo significa “amigo de Deus” e poderia referir-se aos futuros catequistas e evangelizadores, aos quais Lucas escreve este tratado de ensinamento superior. (RICHARD: 1999, p.)
            O primeiro prólogo tem como objetivo o que Teófilo ou os “teófilos”, que poderíamos entender como a comunidade de Lucas, deveriam saber. A intenção do autor em relação ao dedicado de sua obra é que ele pudesse ter certeza daquilo que lhe foi ensinado. Portanto sua intenção é teológica, é produzir fé no seu leitor. “    Em suma, parece uma Igreja que necessita de conversão. A palavra converter-se – conversão (metanóia) está presente catorze vezes no evangelho e onze nos Atos dos Apóstolos” (MARCONCINI: 2001, p.152). Daniel Marguerat diz que “Lucas é historiador e teólogo. Mais precisamente, ele é historiador porque é teólogo. A história é para ele o lugar onde o humano se encontra com o divino ” (MARGUERAT: 2003, p.45). Ou seja ele produz sua teologia a partir da narrativa, dos acontecimentos e desta forma pretende articular a fé.
            Por outro lado o prólogo do segundo relato, dando caráter de continuidade a obra lucana, relembra os últimos dias de Jesus com os discípulos após a ressurreição (At 1,3). Ele aparece a eles e come com eles (Lc 24,36-49). Quem estava presente? São os onze discípulos mais a mulheres que viram Jesus (Lc 24,8-10).
3. Contexto Literário
            Conforme podemos ver, no prólogo de Atos dos Apóstolos, temos o caráter de continuidade da obra e ensino de Jesus através da atuação do Espírito Santo nos apóstolos e demais discípulos de Jesus. Sendo que em Lc 24,49 Jesus disse que eles deveriam permanecer na cidade até que ele enviasse “o que meu Pai prometeu”, isto é o Espírito Santo agora amplamente citado no relato dos Atos dos Apóstolos. Note que as últimas instruções que Jesus havia dado conforme narrado em Lc 24, agora aqui em At 1,2, que elas foram dadas “no Espírito Santo”.
            Podemos perceber que os v.4-11 de At 1, são como um fio que costura a narrativa de Lc 24,49 a At, 1,12. Observe os textos de At 1 que fazem a alusão a Lc 24, ou seja a alusão a aparição de Jesus após a ressurreição dando-lhes instruções e comendo com eles.
Lc 24,36
“Jesus se faz presente no meio deles”
At 1,3
“É a eles que Jesus se apresentara vivo após a sua Paixão.”
Lc 24,41-12
“’Tendes aqui algo de comer?’” Eles lhe ofereceram um pedaço de peixe grelhado; ele o tomou e comeu a vista deles.
At 1,4
“Durante uma refeição com eles”
Lc 24, 49
“Da minha parte eu vou enviar-vos o que meu Pai prometeu. Quanto a vós permancei na cidade até que sejais revestidos, do alto, do poder.
At 1,8
“Mas recebereis uma força do Espírito Santo que vira sobre vós”
            Estes textos nos mostram a continuidade do relato lucano do Evangelho para o dos Atos dos Apóstolos. O que Jesus começou a fazer e ensinar continuou na comunidade de Lucas, com autorização do próprio Jesus através do poder do Espírito Santo.   
4        – Estrutura Interna
É importante notar que os v.1-2 são distintos do v.3 em sua forma literária. Enquanto os dois primeiros introduzem o relato dos Atos dos Apóstolos, através de lembrança e resumo do conteúdo da primeira obra. O v.3 tem a intenção de fazer a ligação das duas obras relembrando o fato que antecede o que se seguirá em Atos dos Apóstolos. Podemos então estruturar a perícope da seguinte forma:
 1 – Introdução ao relato de Atos dos Apóstolos
- Lembrança do primeiro relato (v.1)
- As obras e ensinos de Jesus antes de ser elevado (v.2)
2 – Os apóstolos como testemunhas do Jesus ressurreto – Elo dos relatos Lc-At (v.3)
Há um paralelo de Atos 1,3 com o Evangelho de Lucas. Fala-se aqui de um tempo de quarenta dias em que os apóstolos foram provados acerca da ressurreição de Jesus. O número “quarenta” é representativo. É sempre um tempo de prova ou teste que antecede o tempo do reinado de Deus ou de atuação do Espírito. Veja que em Lc 4,2 Jesus foi levado ao deserto pelo Espírito para ser tentado pelo diabo por quarenta dias. No v.14, Jesus pelo poder do Espírito inicia seu ministério. Em At 2, encerra-se o período de quarenta dias e o Espírito Santo com o mesmo poder age nos apóstolos para iniciar um novo tempo de reinado de Deus. Sobre a simbolização do número quarenta podemos ainda lembrar da narrativa vetero testamentária que trata do tempo em que os israelitas foram provados no deserto até entrar na terra prometida por Javé (Dt 8,2).
Podemos então verificar que o v.3 de At 1 é o fio narrativo para a continuidade do relato lucano entre a biografia de Jesus e a historiografia dos Atos dos Apóstolos. Este texto é o ponto de encontro entre a narrativa de Jesus com os discípulos em Lc 24 e o que a narrativa que o sucede a partir do v.4 de At 1. A chave está na expressão original grega Basileias Tou Qeou, Basiléia Theo, “Reino de Deus”. Observe que At 1,6 os que discípulos reunidos perguntam sobre a restauração do “Basiléia” (Reino) para Israel, assim como disseram em Lc 24,21 sobre o “libertador de Israel”. Como conciliar estes dois textos?  Jesus está falando do Reino de Deus e os seus seguidores indagando sobre um reino terreno. A resposta é dada a partir da missão que Jesus lhes dá de serem testemunhas por todo o mundo,  não de um “reino davídico oposto ao domínio romano” (RICHARD: 2001, p.23), mas sim do Reino de Deus identificado “com a vida do povo, em especial com a vida do povo pobre e oprimido... um projeto teocrático e político” (RICHARD:2001, p.23).
4. Análise de conteúdo
            Algumas observações podem ser destacadas a partir de nossa análise exegética da perícope proposta:
1.      At 1,1-3 não é exatamente a introdução de um novo livro, mas sim um elo entre os dois relatos. Talvez não fizesse parte do manuscrito original, tendo sido acrescendo posteriormente quando da dissociação dos dois relatos.
2.      O caráter de continuidade do primeiro relato nos remete ao caráter de continuidade da obra e ensino de Jesus iniciada por Ele mesmo no poder do Espírito Santo e agora continuada por meio dos seus apóstolos e todos da comunidade de Lucas pelo poder do mesmo Espírito. A NVI traduziu o v.1 pela expressão “tudo o que Jesus começou a fazer e ensinar” o que enfatiza essa continuidade.
3.      O tempo que antecede o ministério pelo poder do Espírito Santo aqui nos Atos dos Apóstolos, faz um paralelo com a tentação de Jesus de “quarenta” dias, ambos falam de um tempo de prova que antecede o Reinado de Deus.
4.      A implementação do Reino de Deus é o tema e a missão proposta por Jesus para aqueles que continuarão a sua obra. 
5        – Conclusões hermenêuticas
Podemos aprender com esta perícope que os “amigos de Deus”, Teófilo, tem como tarefa dar continuidade ao que Jesus começou a fazer e ensinar, isto é, implementar o Reino de Deus, que conforme podemos ver pelo Evangelho de Lucas, trata-se da tarefa com a qual Jesus se ocupou  e instou os seus seguidores a se ocupar (a expressão aparece pelo menos 32 vezes).
Entendo ainda, que continuar a fazer o que Jesus começou a fazer e a ensinar não é repetir, mas ter Jesus como ponto de partida. O livro dos Atos dos Apóstolos nos mostrará que a igreja não repetiu literalmente palavras e obras de Jesus, mas deu continuidade contextualizando o Evangelho às situações e culturas de então.
Fica então reflexão a ser considerada: o que significa dar continuidade a obra e ensino de Jesus? Jung Mo Sung, teólogo católico, disse certa vez em um debate, que imitar Jesus não é fazer o que ele disse e fez, mas é fazer o que ele faria.


BIBLIOGRAFIA
CASALEGNO, Alberto. Ler os Atos dos Apóstolos: estudo da teologia lucana da missão. São Paulo, Loyola, 2005.
FABRIS, Rinaldo. Os Atos dos Apóstolos. São Paulo, Loyola, 1991.
GABEL, Jonh B. e CHARLES, B. Wheeler. A Bíblia como Literatura. São Paulo, Loyola, 1993.
MARCONCINI, Benito. Os Evangelhos Sinóticos: formação, redação, teologia. São Paulo, Paulinas, 2001.
MARGUERAT, Daniel. A primeira história do cristianismo: os Atos dos Apóstolos. São Paulo, Loyola, Paulus, 2003.
RICHARD, Pablo. O Movimento de Jesus depois da ressurreição: uma interpretação libertadora dos Atos dos Apóstolos. São Paulo, Paulinas, 2001.

DICIONÁRIOS
Brown, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. São Paulo, Vida Nova, 1978.
Gingrich, F. Wilbur e Frederick W. Danker. Léxico do Novo Testamento Grego / Português. São Paulo, Vida Nova, 1983.
BIBLIOGRAFIA (livros da internet)
CASALEGNO, Alberto. Ler os Atos dos Apóstolos: estudo da teologia lucana da missão. São Paulo, Loyola, 2005.
FABRIS, Rinaldo. Os Atos dos Apóstolos. São Paulo, Loyola, 1991.
GABEL, Jonh B. e CHARLES, B. Wheeler. A Bíblia como Literatura. São Paulo, Loyola, 1993.
Livros próprios:
MARCONCINI, Benito. Os Evangelhos Sinóticos: formação, redação, teologia. São Paulo, Paulinas, 2001.
RICHARD, Pablo. O Movimento de Jesus depois da ressurreição: uma interpretação libertadora dos Atos dos Apóstolos. São Paulo, Paulinas, 2001.
MARGUERAT, Daniel. A primeira história do cristianismo: os Atos dos Apóstolos. São Paulo, Loyola, Paulus, 2003.


[1] Mario Marcos Andrade da Silva, Bacharel em Teologia pelo (ICEC), Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos. M. 10.1.509. Com convalidação pela Faculdade Unida. Além de especialista em escatologia, angelologia e aconselhamento pastoral pelo IDE Missões. 
[2] Tradução Ecumênica da Bíblia, Loyola, São Paulo, 1994.
[3] Segundo Daniel Marguerat, Henry Joel Cadbury foi o primeiro a dar, em 1927, o nome de “Lucas Atos”.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

O Profeta no Antigo Testamento


O Profeta no Antigo Testamento
Por
Mario Marcos[1]

 Is 6.8,9 "Depois disso, ouvi a voz do Senhor, que dizia: A quem enviarei, e quem há de ir por nós? Então, disse eu: Eis-me aqui, envia-me a mim. Então, disse ele: Vai e dize a este povo: Ouvis, de fato, e não entendeis, e vedes, em verdade, mas não percebeis."

O LUGAR DOS PROFETAS NA HISTÓRIA DE HEBREUS.
(1) Os profetas do AT eram homens de Deus que, espiritualmente, achavam-se muito acima de seus contemporâneos. Nenhuma categoria, em toda a literatura, apresenta um quadro mais dramático do que os profetas do AT. Os sacerdotes, juízes, reis, conselheiros e os salmistas, tinham cada um, lugar distintivo na história de Israel, mas nenhum deles logrou alcançar a estatura dos profetas, nem chegou a exercer tanta influência na história da redenção.

(2) Os profetas exerceram considerável influência sobre a composição do AT. Tal fato fica evidente na divisão tríplice da Bíblia hebraica: a Torá, os Profetas e os Escritos (cf. Lc 24.44). A categoria dos profetas inclui seis livros históricos, compostos sob a perspectiva profética: Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis. É provável que os autores desses livros fossem profetas. Em segundo lugar, há dezessete livros proféticos específicos (Isaías até Malaquias).

PALAVRAS HEBRAICAS APLICADAS AOS PROFETAS.

(1) Ro’eh. Este substantivo, traduzido por "vidente", em português, indica a capacidade especial de se ver na dimensão espiritual e prever eventos futuros. O título sugere que o profeta não era enganado pela aparência das coisas, mas que as via conforme realmente eram — da perspectiva do próprio Deus. Como vidente, o profeta recebia sonhos, visões e revelações, da parte de Deus, que o capacitava a transmitir suas realidades ao povo.
Etimologia da palavra profeta
Nabi’= profeta. Na acadico tem um verbo que se chama nabû, aquele que tem uma mensagem, no hebraico quer dizer falar sob inspiração profética.
Dabar= palavra, e isto está intimamente ligado com o profeta. E também está ligada ao Gênesis, palavra criadora, Davar+Deus=criação. A palavra javé não tem etimologia, mas está ligada a ser, “EU SOU”, ou acontece, isto é, javé é o que faz acontecer.
Ruach= espírito, Ar em movimento, é o que faz dabar, palavra acontecer. Dabar tem um peso masculino e Ruach feminino.
Sabedoria, instrução, que leva para a felicidade e o amor. (Is-50:4) “Javé me da língua instruída para que soubesse trazer ao cansado uma palavra de consolo de manhã em manhã ele me desperta para que eu ouça...” A palavra instruída no hebraico é “limmud” que quer dizer: acostumado, ensinado, aluno, discípulo. Tudo isso está ligado à humildade, isto é, o profeta gosta de aprender, está totalmente dependente desta palavra. Para o profeta humildade é não tomar o espaço de Deus, é deixar Deus acontecer. Consolo no texto quer dizer “Libertação”. Como o consolo se torna eficaz? O consolo que quer dizer “está com o que está só” só se concretiza ou se torna eficaz quando você alivia de maneira real a necessidade do outro. Na bíblia os profetas eram conhecidos como videntes e homens de Deus e mulheres de Deus, iluminados. No tempo da monarquia também tinham profetas servindo a coorte, mas só beneficiavam a coorte. A crítica ao culto é olho da profecia, não o templo em si, mas o que faziam dele.
(2) Nabi’. (a) Esta é a principal palavra hebraica para "profeta", e ocorre 316 vezes no AT. Nabi’im é sua forma no plural. Embora a origem da palavra não seja clara, o significado do verbo hebraico "profetizar" é: "emitir palavras abundantemente da parte de Deus, por meio do Espírito de Deus" (Gesenius, Hebrew Lexicon). Sendo assim, o nabi’ era o porta-voz que emitia palavras sob o poder impulsionador do Espírito de Deus. A palavra grega prophetes, da qual se deriva a palavra "profeta" em português, significa "aquele que fala em lugar de outrem". Os profetas falavam, em lugar de Deus, ao povo do concerto, baseados naquilo que ouviam, viam e recebiam da parte dEle. (b) No AT, o profeta também era conhecido como "homem de Deus" (ver 2Rs 4.21 nota), "servo de Deus" (cf. Is 20.3; Dn 6.20), homem que tem o Espírito de Deus sobre si (cf. Is 61.1-3), "atalaia" (Ez 3.17), e "mensageiro do Senhor" (Ag 1.13). Os profetas também interpretavam sonhos (e.g., José, Daniel) e interpretavam a história — presente e futura — sob a perspectiva divina.

HOMENS DO ESPÍRITO E DA PALAVRA. O profeta não era simplesmente um líder religioso, mas alguém possuído pelo Espírito de Deus (Ez 37:1-4). Pelo fato do Espírito e a Palavra estarem nele, o profeta do AT possuía estas três características:
(1) Conhecimentos divinamente revelados. Ele recebia conhecimentos da parte de Deus no tocante às pessoas, aos eventos e à verdade redentora. O propósito primacial de tais conhecimentos era encorajar o povo a permanecer fiel a Deus e ao seu concerto. A característica distintiva da profecia, no AT, era tornar clara a vontade de Deus ao povo mediante a instrução, a correção e a advertência. O Senhor usava os profetas para pronunciarem o seu juízo antes de este ser desferido. Do solo da história sombria de Israel e de Judá, brotaram profecias específicas a respeito do Messias e do reino de Deus, bem como predições sobre os eventos mundiais que ainda estão por ocorrer.
(2) Poderes divinamente outorgados. Os profetas eram levados à esfera dos milagres à medida que recebiam a plenitude do Espírito de Deus. Através dos profetas, a vida e o poder divinos eram demonstrados de modo sobrenatural diante de um mundo que, doutra forma, se fecharia à dimensão divina.
(3) Estilo de vida característico. Os profetas, na sua maioria, abandonaram as atividades corriqueiras da vida a fim de viverem exclusivamente para Deus. Protestavam intensamente contra a idolatria, a imoralidade e iniqüidades cometidas pelo povo, bem como a corrupção praticada pelos reis e sacerdotes. Suas atividades visavam mudanças santas e justas em Israel. Suas investidas eram sempre em favor do reino de Deus e de sua justiça. Lutavam pelo cumprimento da vontade divina, sem levar em conta os riscos pessoais.

OITO CARACTERÍSTICAS DO PROFETA DO ANTIGO TESTAMENTO. Que tipo de pessoa era o profeta do AT?
(1) Era alguém que tinha estreito relacionamento com Deus, e que se tornava confidente do Senhor (Am 3.7). O profeta via o mundo e o povo do concerto sob a perspectiva divina, e não segundo o ponto de vista humano.
(2) O profeta, por estar próximo de Deus, achava-se em harmonia com Deus, e em simpatia com aquilo que Ele sofria por causa dos pecados do povo. Compreendia, melhor que qualquer outra pessoa, o propósito, vontade e desejos de Deus. Experimentava as mesmas reações de Deus. Noutras palavras, o profeta não somente ouvia a voz de Deus, como também sentia o seu coração (Jr 6.11; 15.16,17; 20.9).
(3) À semelhança de Deus, o profeta amava profundamente o povo. Quando o povo sofria, o profeta sentia profundas dores (ver O LIVRO DAS LAMENTAÇÕES). Ele almejava para Israel o melhor da parte de Deus (Ez 18.23). Por isso, suas mensagens continham, não somente advertências, como também palavras de esperança e consolo.
(4) O profeta buscava o sumo bem do povo, i.e., total confiança em Deus e lealdade a Ele; eis porque advertia contra a confiança na sabedoria, riqueza e poder humanos, e nos falsos deuses (Jr 8.9,10; Os 10.13,14; Am 6.8). Os profetas continuamente conclamavam o povo a viver à altura de suas obrigações conforme o seu concerto estabelecido com Deus, para que viesse a receber as bênçãos da redenção.

(5) O profeta tinha profunda sensibilidade diante do pecado e do mal (Jr 2.12,13, 19; 25.3-7; Am 8.4-7; Mq 3.8). Não tolerava a crueldade, a imoralidade e a injustiça. O que o povo considerava leve desvio da Lei de Deus, o profeta interpretava, às vezes, como funesto. Não podia suportar transigência com o mal, complacência, fingimento e desculpas do povo (32.11; Jr 6.20; 7.8-15; Am 4.1; 6.1). Compartilhava, mais que qualquer outra pessoa, do amor divino à retidão, e do ódio que o Senhor tem à iniqüidade (cf. Hb 1.9 nota).
(6) O profeta desafiava constantemente a santidade superficial e oca do povo, procurando desesperadamente encorajar a obediência sincera às palavras que Deus revelara na Lei. Permanecia totalmente dedicado ao Senhor; fugia da transigência com o mal e requeria fidelidade integral a Deus. Aceitava nada menos que a plenitude do reino de Deus e a sua justiça, manifestadas no povo de Deus.
(7) O profeta tinha uma visão do futuro, revelada em condenação e destruição (e.g., 63.1-6; Jr 11.22,23; 13.15-21; Ez 14.12-21; Am 5.16-20,27, bem como em restauração e renovação (e.g., 61– 62; 65.17–66.24; Jr 33; Ez 37). Os profetas enunciaram grande número de profecias acerca da vinda do Messias (ver o diagrama das PROFECIAS DO ANTIGO TESTAMENTO CUMPRIDAS EM CRISTO).
(8) Finalmente, o profeta era, via de regra, um homem solitário e triste (Jr 14.17,18; 20.14-18; Am 7.10-13; Jn 3– 4), perseguido pelos falsos profetas que prediziam paz, prosperidade e segurança para o povo que se achava em pecado diante de Deus (Jr 15.15; 20.1-6; 26.8-11; Am 5.10; cf. Mt 23.29-36; At 7.51-53). Ao mesmo tempo, o profeta verdadeiro era reconhecido como homem de Deus, não havendo, pois, como ignorar o seu caráter e a sua mensagem.

A MENSAGEM DOS PROFETAS DO ANTIGO TESTAMENTO. A mensagem dos profetas enfatiza três temas principais:
(1) A natureza de Deus. (a) Declaravam ser Deus o Criador e Soberano onipotente do universo (e.g., 40.28), e o Senhor da história, pois leva os eventos a servirem aos seus supremos propósitos de salvação e juízo (cf. Is 44.28; 45.1; Am 5.27; Hc 1.6). (b) Enfatizavam que Deus é santo reto e justo, e não pode tolerar o pecado, iniqüidade e injustiça. Mas a sua santidade é temperada pela misericórdia. Ele é paciente e tardio em manifestar a sua ira. Sendo Deus santo, em sua natureza, requer que seu povo seja consagrado e santo ao SENHOR (Zc 14.20; cf. Is 29.22-24; Jr 2.3). Como o Deus que faz concerto, que entrou num relacionamento exclusivo com Israel, requer que seu povo obedeça aos seus mandamentos, como parte de um compromisso de relacionamento mútuo.
(2) O pecado e o arrependimento. Os profetas do AT compartilhavam da tristeza de Deus diante da contínua desobediência, infidelidade, idolatria e imoralidade de seu povo segundo o concerto. E falavam palavras severas de justo juízo contra os transgressores. A mensagem dos profetas era idêntica a de João Batista e de Cristo: "arrependei-vos, senão igualmente perecereis". Prediziam juízos catastróficos, tal como a destruição de Samaria, pela Assíria (e.g. Os 5.8-12; 9.3-7; 10.6-15), e a de Jerusalém por babilônia (e.g., Jr 19.7-15; 32.28-36; Ez 5.5-12; 21.2, 24-27).
(3) Predição e esperança messiânica. (a) Embora o povo tenha sido globalmente infiel a Deus e aos seus votos, segundo o concerto, os profetas jamais deixaram de enunciar-lhe mensagens de esperança. Sabiam que Deus cumpriria os ditames do concerto e as promessas feitas a Abraão através de um remanescente fiel (ver o estudo O CONCERTO DE DEUS COM ABRAÃO, ISAQUE E JACO). No fim, viria o Messias, e através dEle, Deus haveria de ofertar a salvação a todos os povos. (b) Os profetas colocavam-se entre o colapso espiritual de sua geração e a esperança da era messiânica. Eles tinham de falar a palavra de Deus a um povo obstinado, que, inexoravelmente rejeitavam a sua mensagem (cf. Is 6.9-13). Os profetas eram tanto defensores do antigo concerto, quanto precursores do novo. Viviam no presente, mas com a alma voltada para o futuro.


[1] Mario Marcos Andrade da Silva, Bacharel em Teologia pelo (ICEC), Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos. M. 10.1.509. Convalidação Faculdade Unida. Além de especialista em escatologia, angelologia e aconselhamento pastoral pelo IDE Missões.